O cenário fiscal do Brasil nos anos de 2023 e 2024 tem sido marcado por um aumento do déficit primário, refletindo uma pressão crescente sobre as contas públicas. O Resultado Primário, que é a diferença entre as receitas e despesas do governo, sem considerar os juros da dívida pública, é um indicador crucial para avaliar a saúde fiscal de um país. Neste artigo, abordamos os dados apresentados pelo governo federal para esses anos, destacando os principais componentes do déficit e as implicações desse resultado para a economia do país.
O Crescimento das Receitas e Despesas
O ano de 2024, em comparação com 2023, mostrou um crescimento significativo nas receitas do governo. A Receita Líquida Total do Governo Federal apresentou um aumento de 10,9% em termos nominais. No entanto, quando ajustamos esse crescimento pela inflação (IPCA), o aumento real foi de 6,4%. Esse crescimento nas receitas foi impulsionado principalmente pelo aumento das arrecadações de tributos como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), COFINS e PIS/PASEP. Esses impostos tiveram uma variação significativa, com o IPI crescendo 65,2% em termos reais em setembro de 2024, impulsionado por uma maior demanda interna e pela recuperação de setores da economia.
Por outro lado, as despesas também seguiram uma trajetória de crescimento, acompanhando a elevação das receitas. As Despesas Totais do Governo Federal aumentaram 10,9% nominalmente, o que, ajustado pela inflação, representou uma elevação de 6,5%. No entanto, a composição dessas despesas mostra um cenário preocupante, com a maior parte do aumento vindo de despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários e transferências relacionadas à calamidade pública. Esse aumento nas despesas reflete uma dependência do Governo Federal de gastos obrigatórios, o que limita sua capacidade de controle sobre os custos a curto prazo.
Gráfico 1: Receita Líquida Total vs. Despesa Total (Valores Nominais)
O gráfico a seguir ilustra a comparação entre a Receita Líquida Total e as Despesas Totais do Governo Federal nos anos de 2023 e 2024. Observa-se que, apesar do aumento das receitas, as despesas acompanharam esse crescimento, ampliando o déficit fiscal do governo central.
O Resultado Primário e o Déficit Fiscal
O Resultado Primário é, sem dúvida, o principal indicador da situação fiscal do país. Esse resultado é obtido pela diferença entre as receitas e as despesas primárias, ou seja, sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida pública. Em 2024, o Governo Federal registrou um déficit primário de R$ 105,2 bilhões, o que representa uma piora em relação ao déficit de R$ 94,3 bilhões registrado em 2023. Esse aumento de 11,5% no déficit nominal foi ainda mais acentuado quando ajustado pela inflação, com uma variação de 7,4%.
Esse déficit primário crescente reflete, em grande parte, o aumento das despesas obrigatórias, especialmente aquelas relacionadas à previdência social. O déficit da Previdência Social, que inclui os gastos com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), foi um dos principais responsáveis pela piora nas contas públicas. Esse aumento é um reflexo de um cenário que demanda reformas estruturais na previdência, a fim de reduzir a pressão sobre as contas do governo.
Gráfico 2: Evolução do Resultado Primário (Valores Nominais)
O gráfico abaixo mostra a evolução do Resultado Primário do Governo Federal ao longo dos anos. Como é possível observar, o déficit primário aumentou significativamente entre 2023 e 2024, o que evidencia a pressão fiscal contínua sobre o governo central.
Resultado Primário como Percentual do PIB
Além da análise nominal, é essencial avaliar o impacto do déficit primário sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do país. O déficit primário, em relação ao PIB, passou de -1,2% em 2023 para -2,12% em 2024, indicando que a dívida do governo está crescendo mais rapidamente do que a economia. Essa variação no déficit primário como percentual do PIB é um sinal de alerta para a sustentabilidade das contas públicas, uma vez que a relação entre o déficit e o PIB tem implicações diretas sobre a confiança dos mercados e a capacidade do governo de financiar suas operações.
Gráfico 3: Resultado Primário como Percentual do PIB
O gráfico a seguir ilustra o impacto do Resultado Primário como percentual do PIB, comparando os anos de 2023 e 2024. O aumento no déficit como porcentagem do PIB sugere uma deterioração nas finanças públicas, que pode afetar a estabilidade econômica do país.
A Pressão sobre os Gastos Públicos
O aumento do déficit primário em 2024 é, em grande parte, resultado do aumento das despesas obrigatórias. Entre as principais áreas que impulsionaram esse crescimento estão os benefícios previdenciários e o aumento das transferências relacionadas a eventos extraordinários, como a calamidade pública no estado do Rio Grande do Sul. O governo federal alocou R$ 40,3 bilhões em créditos extraordinários para o enfrentamento dessa calamidade, o que impactou diretamente o déficit fiscal de 2024.
Outro fator importante foi o aumento nos gastos com sentenças judiciais e precatórios, que apresentaram uma elevação de 139,8% em termos reais no mês de setembro de 2024, em relação ao mesmo período de 2023. Esse aumento reflete o alto custo de cumprimento de decisões judiciais e a necessidade de acomodar o pagamento de precatórios dentro do orçamento fiscal.
Conclusão
A análise do Resultado Primário do Governo Federal para 2023 e 2024 revela uma gestão governamental que carece de decisões estratégicas mais assertivas e estruturantes. Embora os números demonstrem aumento significativo na arrecadação, com aumento em tributos como IPI e COFINS, isso não foi suficiente para conter a deterioração das contas públicas devido ao descontrole no crescimento das despesas obrigatórias.
A continuidade do aumento nos déficits primários e a ampliação da relação déficit/PIB indicam que o governo tem priorizado soluções de curto prazo para equilibrar as contas, como créditos extraordinários e medidas paliativas, em vez de avançar com reformas estruturais indispensáveis. Esse comportamento reflete uma gestão fiscal reativa, que responde a crises pontuais, mas falha em abordar problemas sistêmicos que comprometem a sustentabilidade econômica a médio e longo prazo.
Adicionalmente, a gestão governamental parece falhar na coordenação de gastos e na definição de prioridades orçamentárias. O aumento expressivo de despesas com sentenças judiciais, precatórios e medidas emergenciais, como aquelas relacionadas à calamidade no Rio Grande do Sul, aponta para um modelo de planejamento que não antecipa adequadamente riscos fiscais. Esses gastos extraordinários, embora necessários, poderiam ser mitigados com uma política preventiva e maior controle na execução orçamentária.
Em suma, a gestão governamental atual, diante dos dados analisados, carece de um plano fiscal robusto e de longo prazo que promova equilíbrio nas contas públicas sem sacrificar o crescimento econômico. Reformas estruturais, controle rigoroso de despesas obrigatórias e maior eficiência na arrecadação são indispensáveis para reverter o quadro atual. Incluindo uma auditoria profunda no juros da dívida pública. Sem essas mudanças, o Brasil corre o risco de enfrentar uma escalada do endividamento público, comprometendo não apenas a sustentabilidade fiscal, mas também a capacidade de implementar políticas públicas essenciais para o desenvolvimento do país.