
A contabilidade moderna se apoia em diversos princípios e normas técnicas para garantir que a informação gerada seja útil, confiável e tempestiva. Entre esses princípios, destaca-se o regime de competência, uma das bases da escrituração contábil obrigatória. Mais do que um simples critério de reconhecimento de receitas e despesas, o regime de competência cumpre papel essencial na mensuração do patrimônio, no cálculo do resultado do exercício e na conformidade com as normas brasileiras de contabilidade.
Mesmo diante das exigências fiscais que frequentemente utilizam o regime de caixa, é o regime de competência que prevalece na contabilidade societária e na elaboração das demonstrações financeiras. Este artigo apresenta, de forma técnica e detalhada, os fundamentos, a obrigatoriedade legal e os impactos do regime de competência na contabilidade das entidades.
O que é o regime de competência?
O regime de competência é o método contábil pelo qual as receitas e despesas são reconhecidas no momento em que ocorrem, independentemente do recebimento ou pagamento. Ou seja, não se espera o movimento financeiro (entrada ou saída de caixa) para registrar a operação na contabilidade. Essa prática garante que os eventos econômicos sejam refletidos no período correto, permitindo uma visão mais fiel da realidade patrimonial da entidade.
O regime de competência é um “princípio norteador da escrituração contábil”, pois assegura que as receitas sejam atribuídas ao exercício em que são geradas, e não ao momento em que são recebidas. O mesmo vale para as despesas, que são registradas quando incorridas, mesmo que o pagamento ocorra em outro período.
Base legal e obrigatoriedade do regime de competência
A obrigatoriedade do regime de competência na contabilidade brasileira está prevista em diversas normas. A principal delas é a Lei nº 6.404/76, conhecida como a Lei das Sociedades por Ações, que estabelece em seu artigo 177:
“A escrituração da companhia será mantida com observância dos preceitos da legislação comercial e das normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários e, especialmente, dos princípios de contabilidade geralmente aceitos.”
Complementarmente, os Princípios de Contabilidade estabelecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), especialmente por meio da Resolução CFC nº 750/93 (revogada, mas substituída por normas convergentes ao IFRS), consolidam o Princípio da Competência como essencial para a elaboração de demonstrações contábeis.
Adicionalmente, as Normas Brasileiras de Contabilidade Técnicas (NBC TG), como a NBC TG 1000 (para pequenas e médias empresas) e a NBC TG 26 (Apresentação das Demonstrações Contábeis), reforçam a necessidade de reconhecimento dos efeitos das transações e outros eventos nas demonstrações financeiras no momento em que ocorrem.
Comparação com o regime de caixa
Enquanto o regime de competência considera o momento do fato gerador, o regime de caixa reconhece receitas e despesas apenas quando há fluxo financeiro. Isso significa que uma venda realizada a prazo só será registrada no caixa quando o dinheiro efetivamente entrar. Na contabilidade financeira, esse método é inadequado para avaliação patrimonial, mas ainda é utilizado em algumas áreas, como o controle de fluxo de caixa e apuração de determinados tributos no regime do Simples Nacional ou no lucro presumido.
No entanto, para fins societários e contábeis, o regime de competência é obrigatório. Sua adoção garante que as Demonstrações Contábeis reflitam a real situação econômica da entidade, incluindo direitos a receber, obrigações a pagar, provisões, depreciações, entre outros elementos patrimoniais que não envolvem movimentações financeiras imediatas.
Importância na apuração do resultado
A correta apuração do resultado do exercício — lucro ou prejuízo — depende diretamente da aplicação do regime de competência. Isso porque ele assegura que todas as receitas e despesas sejam atribuídas ao período correspondente, mesmo que seus reflexos no caixa ocorram posteriormente.
Um exemplo clássico é o caso das despesas antecipadas, como seguros ou aluguéis pagos no início do contrato. Essas despesas são registradas no ativo como “despesas do exercício seguinte” e apropriadas ao resultado mensalmente, conforme o benefício econômico é efetivamente usufruído pela entidade.
Esse processo contábil evita distorções nos lucros e perdas e permite que os stakeholders tomem decisões com base em dados mais precisos e consistentes.
Desafios práticos na aplicação do regime de competência
Embora o regime de competência seja conceitualmente bem definido, sua aplicação na prática exige atenção e controle. Entre os principais desafios enfrentados pelos profissionais da contabilidade estão:
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A correta identificação do momento de ocorrência do fato gerador;
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A necessidade de controles auxiliares para registrar receitas e despesas ainda não pagas ou recebidas;
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O reconhecimento de provisões contábeis, como férias, 13º salário, contingências judiciais e depreciações.
Esses elementos demandam domínio técnico, conhecimento das normas e utilização de sistemas contábeis adequados. A negligência ou desconhecimento na aplicação do regime de competência pode levar a erros nas demonstrações financeiras e comprometer a credibilidade da contabilidade.
O regime de competência é uma das fundações da contabilidade moderna. Sua adoção assegura que a informação contábil retrate fielmente a realidade econômica da entidade, contribuindo para uma gestão eficaz, uma governança transparente e o cumprimento das normas legais e técnicas.
Além de obrigatório, o regime de competência é um aliado estratégico na análise de desempenho e na tomada de decisões, tanto para empresas quanto para usuários externos, como investidores, credores e órgãos reguladores.
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