Tributação dos descontos na recuperação judicial gera controvérsias

A tributação dos descontos na recuperação judicial passou a ser alvo de intensos debates após a publicação da Solução de Consulta nº 74/2025 pela Receita Federal. O entendimento firmado pelo Fisco estabelece que as empresas em processo de recuperação devem recolher IRPJ e CSLL sobre os valores obtidos como deságios de dívidas, imediatamente após a homologação judicial do plano de recuperação. Essa orientação gera impactos contábeis e jurídicos relevantes, que precisam ser analisados com profundidade pelo profissional da contabilidade.

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Entendimento da Receita Federal e base normativa

A Receita Federal, por meio da Cosit, fixou a tese de que a aprovação judicial do plano de recuperação caracteriza, por si só, uma variação patrimonial positiva. Dessa forma, entende-se que a empresa obteve um benefício econômico que deve ser reconhecido como receita tributável no momento da homologação.

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A fundamentação está baseada na interpretação dos artigos 43 do Código Tributário Nacional (CTN) e 489 do Código Civil, combinada com a aplicação do regime de competência, desconsiderando, contudo, a natureza condicional desses descontos. A Receita ignora que a realização da vantagem depende da execução plena do plano, que pode se estender por anos e está sujeita a eventos futuros incertos.

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Impactos contábeis e risco de descumprimento da legislação societária

Sob a perspectiva contábil, o reconhecimento de receita deve seguir os princípios estabelecidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), especialmente os relacionados à realização e competência. Os deságios concedidos por credores em processos de recuperação judicial, embora pactuados no plano, não constituem ganho efetivo enquanto não cumpridas todas as obrigações previstas.

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Contabilmente, não se pode considerar como receita um valor que ainda está condicionado a eventos futuros, como o cumprimento integral dos pagamentos de parcelas, que muitas vezes se prolongam por cinco, sete ou até dez anos. Portanto, há um conflito entre a orientação da Receita Federal e as normas contábeis vigentes.

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Além disso, a adoção desse entendimento pode comprometer o correto cumprimento da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76), especialmente quanto à apuração do lucro real, distribuição de dividendos e elaboração de demonstrações contábeis fidedignas.

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Contrariedade ao espírito da Lei de Recuperação Judicial

A exigência fiscal imposta desvirtua a finalidade da Lei nº 11.101/2005, cujo objetivo é a preservação da empresa, com estímulo à renegociação de dívidas e superação da crise econômica.

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Ao exigir a tributação dos descontos na recuperação judicial de forma antecipada, o Fisco impõe um ônus que pode inviabilizar o cumprimento do próprio plano de recuperação. O impacto fiscal, em muitos casos, representa uma saída de caixa incompatível com o estágio da reorganização da empresa. Assim, a medida pode gerar efeitos colaterais severos, como a deterioração do fluxo de caixa, aumento do passivo fiscal e até a convolação em falência.

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Controvérsia jurídica e tendência de judicialização

Especialistas em direito tributário e empresarial apontam que a Solução de Consulta nº 74/2025 antecipa indevidamente o fato gerador dos tributos, pois presume o ganho patrimonial antes de sua concretização. Essa antecipação não encontra respaldo firme nem na jurisprudência consolidada, tampouco em princípios constitucionais de capacidade contributiva, segurança jurídica e não confisco.

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A expectativa é de que a aplicação desse entendimento resulte em uma avalanche de ações judiciais, sobretudo mandados de segurança preventivos, buscando afastar a cobrança imediata dos tributos incidentes sobre os deságios reconhecidos apenas formalmente, mas ainda não realizados.

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Recomendações para a contabilidade 

Diante do novo cenário, o papel da contabilidade torna-se ainda mais estratégico. Empresas em recuperação judicial devem, com o apoio de suas equipes contábeis e jurídicas, reavaliar o momento de reconhecimento das receitas relacionadas aos descontos obtidos. A adoção de controles internos rigorosos e documentação técnica robusta será fundamental para sustentar a não tributação antecipada, caso essa seja a posição da companhia.

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Além disso, recomenda-se a análise criteriosa dos efeitos fiscais da homologação do plano e a eventual adoção de providências legais que assegurem o direito de tributar os ganhos apenas quando efetivamente concretizados. O contador deve orientar a empresa quanto à riscos de autuação fiscal, à possibilidade de passivos tributários inesperados, bem como à necessidade de provisionamento contábil em consonância com o CPC 25.

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Diante desse novo cenário fiscal, a atuação da contabilidade deve ser criteriosa e técnica, adotando medidas práticas para minimizar riscos tributários e assegurar conformidade. Algumas providências fundamentais incluem:

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  • Planejamento do reconhecimento contábil dos deságios obtidos no plano de recuperação, considerando os critérios de contingência e materialidade do CPC 25.

  • Revisão da apuração do Lucro Real ou Lucro Presumido, considerando os efeitos da Solução de Consulta na base de cálculo do IRPJ e CSLL.

  • Segregação contábil dos valores homologados e sua efetiva realização, criando controles internos para acompanhamento das parcelas pagas ao longo do tempo.

  • Elaboração de notas explicativas nas demonstrações contábeis, com detalhamento das condições do plano, do cronograma de pagamentos e dos riscos de reversão dos descontos.

  • Envio correto da ECF (Escrituração Contábil Fiscal), refletindo a posição da empresa quanto à tributação dos deságios. Se optar por não tributar de imediato, é recomendável incluir uma descrição clara no campo de "informações complementares" e manter documentação de suporte para eventual fiscalização.

  • Atualização da ECD (Escrituração Contábil Digital) com lançamentos que evidenciem os créditos negociados e provisionamentos relacionados, quando cabível.

  • Gestão dos créditos tributários e compensações (se for o caso de tributar e posteriormente buscar restituição ou compensação caso a receita não se realize).

  • Consulta prévia a assessoria jurídica, para avaliar a viabilidade de mandado de segurança preventivo, evitando autuações futuras e garantindo segurança jurídica ao procedimento contábil-fiscal adotado.

  • Monitoramento de decisões judiciais, especialmente em Tribunais Regionais Federais, que possam reconhecer a ilegalidade da exigência.

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A contabilidade deve atuar como agente de proteção e planejamento, organizando tecnicamente os registros e mantendo a empresa preparada para um eventual questionamento do Fisco.

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Conclusão

A tributação dos descontos na recuperação judicial inaugurada pela Solução de Consulta nº 74/2025 impõe desafios relevantes à contabilidade e à gestão fiscal das empresas. Ao antecipar o fato gerador dos tributos, o Fisco estabelece uma posição que contraria o regime jurídico da recuperação judicial e o adequado reconhecimento contábil das receitas.

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O debate sobre a constitucionalidade e legalidade dessa exigência ainda está longe de ser pacificado, e sua contestação judicial deve ganhar força nos próximos meses.

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