No Brasil, o advento das Moedas Digitais de Banco Central (CBDCs) representa uma transformação profunda no cenário econômico e financeiro, com a introdução do Drex. Através da programabilidade oferecida por essa tecnologia, abrem-se diversas possibilidades de controle estatal sobre o uso do dinheiro, gerando debates acalorados sobre os limites da liberdade financeira e os potenciais efeitos sociais dessa nova era monetária digital.
As recentes declarações de Eric Altafim, diretor de Produtos e Vendas Corporativas do Itaú Unibanco, durante o seminário “Plano Real – A moeda que mudou o Brasil”, evidenciam as implicações do Drex na forma como o governo poderá monitorar e restringir os gastos dos cidadãos. Altafim destacou que a programação do Drex poderia ser utilizada para limitar onde e em quê os beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família, poderiam gastar seus recursos. Por exemplo, esses pagamentos poderiam ser destinados exclusivamente para a compra de alimentos ou restringidos a um perímetro geográfico, como durante um lockdown semelhante ao da pandemia de COVID-19.
Essa capacidade de condicionar os gastos dos cidadãos levanta preocupações sobre o controle governamental, criando um cenário em que o dinheiro deixa de ser um meio universal de troca e passa a ser uma ferramenta de controle social. As preocupações sobre a liberdade financeira são legítimas: até que ponto o governo pode ou deve ditar como os cidadãos podem utilizar seus próprios recursos?
A Programabilidade e Seus Potenciais Usos
A programabilidade do Drex, sustentada por contratos inteligentes, é o diferencial que pode modificar a relação entre o indivíduo e o Estado. Em teoria, essas capacidades trazem benefícios claros, como o combate à evasão fiscal e a promoção de eficiência nos pagamentos governamentais. No entanto, ao estender o controle sobre os destinos do dinheiro digital, o governo poderia, intencionalmente ou não, limitar direitos individuais, condicionando as compras a certos setores ou locais, além de impor barreiras de acesso a determinados serviços.
De acordo com Altafim, ao utilizar o Drex, lojistas que atualmente operam com dinheiro físico, muitas vezes com práticas que facilitam a evasão fiscal, poderiam ser forçados a aceitar a CBDC. Com isso, o governo teria controle total sobre as transações, aumentando a transparência, mas, ao mesmo tempo, centralizando o poder sobre a economia de maneira sem precedentes.
Implicações para a Liberdade Financeira
As discussões sobre o Drex refletem uma tensão crescente entre segurança e liberdade. A implementação de uma moeda programável permite uma administração mais eficiente dos recursos públicos, mas também pode resultar em uma maior interferência do Estado nas escolhas financeiras dos indivíduos. A capacidade de rastrear cada transação gera um cenário em que o governo não só monitora, mas também dita o que pode ou não ser feito com o dinheiro de cada cidadão.
Durante o seminário, Altafim trouxe à tona exemplos concretos de como esse controle pode funcionar. Em situações de emergência, como uma pandemia, o Drex poderia restringir o uso do dinheiro a uma área geográfica limitada, o que pode parecer sensato do ponto de vista de saúde pública, mas abre espaço para questionamentos sobre os limites desse controle.
A Democratização do Acesso a Ativos Digitais e o Papel dos Bancos
Além do controle governamental, o Drex também é visto como uma solução para democratizar o acesso a ativos digitais tokenizados (RWA). Altafim destacou que hoje, para adquirir ativos digitais, os usuários precisam recorrer a stablecoins, que operam em um ambiente menos regulado. Com o Drex, que funcionaria como uma stablecoin lastreada pelo real em uma proporção de 1:1 e emitida pelo Banco Central, o processo se tornaria mais seguro e acessível a um público maior.
Ainda assim, o papel dos bancos nesse novo cenário é crucial. Relatórios recentes, como o divulgado pela Febraban em conjunto com a Accenture, reforçam que as instituições financeiras tradicionais estão bem posicionadas para liderar o mercado de criptomoedas e tokenização de ativos, aproveitando-se da infraestrutura robusta e da confiança que já desfrutam junto aos consumidores.
O Risco de Centralização
Embora a intenção de ampliar o acesso a ativos digitais seja louvável, há um risco intrínseco na centralização das transações financeiras em torno de um sistema controlado pelo governo e pelos grandes bancos. Em vez de empoderar o cidadão, essa concentração de poder pode resultar em um sistema onde o controle do Estado sobre a economia e a vida financeira dos indivíduos seja ampliado de maneira desproporcional.
A introdução do Drex marca o início de uma nova era no Brasil, onde o dinheiro digital promete trazer inovações e eficiência. No entanto, também abre um importante debate sobre a necessidade de equilíbrio entre controle e liberdade. Para evitar abusos, será essencial que a sociedade civil e os órgãos reguladores definam claramente os limites e as salvaguardas necessárias, a fim de garantir que as promessas de inovação não resultem em uma perda das liberdades fundamentais.
Conclusão
O Drex tem o potencial de revolucionar o sistema financeiro brasileiro, oferecendo tanto oportunidades quanto desafios. As capacidades de programabilidade e rastreabilidade da CBDC trazem benefícios tangíveis, como maior eficiência e transparência. No entanto, elas também colocam questões fundamentais sobre o controle social e a liberdade individual, exigindo uma reflexão cuidadosa sobre os limites da interferência estatal na economia pessoal. É crucial que essas tecnologias sejam implementadas de maneira equilibrada, garantindo que os direitos dos cidadãos sejam protegidos ao mesmo tempo em que se promove a inovação financeira.